Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.
Eu peço perdão a mim mesma por todas as vezes em que permiti que alguém me magoasse, e eu preferi fingir que estava tudo bem.
Eu peço perdão ao meu corpo por todas as vezes em que permiti que alguém o tocasse sem amor, sem respeito e sem cuidado. Por todas as vezes em que ele buscou carinho e afeto, mas recebeu toques grosseiros, rudes, egoístas, indiferentes e insensíveis.
Eu corto, agora, qualquer fio energético que ainda me prende aos meus ex relacionamentos. Eu libero as memórias de dor, de rejeição, de maus tratos e de abusos.
Eu me perdoo por todas as vezes em que um homem criticou algo em meu corpo ou em minha personalidade e, ao invés de me proteger, eu tentei ser quem eu não era, na tentativa de agradá-lo. Eu não entendia que o amor não humilha e não constrange.
Eu me perdoo por todas as vezes em que recebi migalhas e, ao invés de ir embora, eu permaneci ao lado de quem não tinha nada para me oferecer. Eu não me sentia merecedora de um amor abundante.
Eu me perdoo por todas as vezes em que sorri com a mão na boca, porque minha gargalhada incomodava o meu ex parceiro. Eu não entendia que o amor verdadeiro nos deixa livre para sermos quem somos, sem disfarces.
Eu me perdoo por todas as vezes em que me senti constrangida quando algo de bom me acontecia. Pelas vezes em que me senti culpada por ser mais bem-sucedida que algum ex parceiro. Eu não tinha motivos para me sentir mal, as minhas conquistas são dignas e suadas.
Eu me perdoo por todas as vezes em que pedi desculpas só para fazer as pazes logo, mesmo estando certa; mesmo tendo sido injustiçada, ferida e desrespeitada
Eu me perdoo por todas as vezes em que me senti culpada ao ser tratada mal. Por todas as vezes em que me calei ao ouvir “olha o que você me fez fazer”. Aquelas culpas não me pertenciam.
Eu me perdoo por todas as vezes em que abaixei a cabeça ao ouvir um homem gritando comigo. Eu deveria ter ido embora, mas eu não tive condições emocionais naquele momento. Algo me dizia que eu deveria tentar de novo, e que ele iria enxergar o meu valor. Eu era muito inocente.
Eu me perdoo por todas as vezes em que fui comparada à outra mulher, de forma que a outra era enaltecida e eu diminuída. Eu devia ter recusado aquele tratamento, mas eu não tinha autonomia emocional suficiente.
Eu me perdoo por todas as vezes em que dei o meu melhor a um parceiro, e recebi quase nada dele. Hoje eu entendo que ninguém oferta o que não tem. Eu continuarei sendo generosa, sem abrir mão da reciprocidade. Eu aprendi a me amar o suficiente para não aceitar menos do que eu mereço.
Eu me perdoo por todas as vezes em que eu precisei de cuidados médicos e, quem estava comigo, fez pouco caso. Eu não entendia que quem ama, cuida.
Eu me perdoo por todas as vezes em que, ao invés de ouvir a minha intuição, eu ouvia a minha carência e a minha falta de autoestima. Por todas as vezes em que ignorei os sinais que gritavam a cada instante.
A partir de hoje, eu escolho me perdoar por todas as escolhas infelizes que fiz no passado. Eu entendo que eu não tinha a maturidade e consciência que tenho hoje. Aquela versão minha só queria ser feliz, e deu o melhor de dela, é isso que vou levar em conta.
De hoje em diante, prometo amar-me, respeitar-me e honrar-me como um templo sagrado que sou. Eu escolho transmutar as minhas memórias dolorosas em aprendizado e cura para mim e para outras mulheres. Assim é. Está feito.
Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!
Certamente, tome mais cuidado com sua linguagem. A linguagem é um símbolo de como nos sentimos e nos vemos. As palavras podem percorrer um longo caminho para manter uma identidade.
Em vez de se referir a si mesmo como alguém quebrado, inútil, solitário ou indefeso, pode fazer uma grande diferença
Subi ao alto, à minha Torre esguia, Feita de fumo, névoas e luar, E pus-me, comovida, a conversar Com os poetas mortos, todo o dia.
Contei-lhes os meus sonhos, a alegria Dos versos que são meus, do meu sonhar, E todos os poetas, a chorar, Responderam-me então: “Que fantasia,
Criança doida e crente! Nós também Tivemos ilusões, como ninguém, E tudo nos fugiu, tudo morreu!...”
Calaram-se os poetas, tristemente... E é desde então que eu choro amargamente Na minha Torre esguia junto ao Céu!...
O eu-lírico aqui se apresenta como um poeta que tem consciência de pertencer a uma classe que já há muito o antecede e, por isso, vai consultar os antigos escritores, os mortos, sobre os seus desejos e planos.
Os seus precursores, por sua vez, se identificam com os ideais do jovem sujeito poético, mas mostram o futuro, o que aconteceu com aqueles projetos que tinham.
No fim do soneto o eu-lírico se revela afinal como um sujeito solitário, amargo, que vive abandonado e incompreendido numa torre simbólica.
Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era querida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida, Que dantes tinha o rir das Primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim!
Nos versos de Lágrimas ocultas encontramos um contraste entre o passado e o presente, entre a alegria de outrora (os risos da primavera) e a tristeza dos dias de hoje.
O sujeito poético então olha para trás e tenta compreender o que se passou para que chegasse nessa condição de isolamento e depressão tão característica de um gênero de poetas no qual Florbela se inclui.