Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava o que ia ficando nas pausas entre cada sorriso. Por ti mudei a razão das coisas, faz de conta que não sei as coisas que não queres que saiba, acabei por te pensar com crianças à volta. Agora há prédios onde havia laranjeiras e romãs no chão e as palavras nem o sabem dizer, apenas apontam a rua que foi comum, o quarto estreito. Um livro é suficiente neste passeio. Quando não escreves estás a ler e ao lado das árvores o silêncio é maior. Decerto te digo o que penso baixando a cabeça e tu respondes sempre com a cabeça inclinada e o fumo suspenso no ar. As verdades nunca se disseram. Queria prender-te, tornar a perder-te, achar-te assim por acaso no meu dia livre a meio da semana. Mantêm-se as causas iguais das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono custa. Porque estou contigo e me deixas a tua imagem passa pelas noites sem sono, está aqui a cadeira em que te sentaste a escrever lendo. Pudesse eu propor-te vida menos igual, outras iguais obrigações. Havias de rir, sair à rua, comprar o jornal.
Onde é que guardo o tempo? Posso agora dizer-vos que é dentro dos olhos. Mesmo que se conservem assim límpidos acabam por pousar neles algumas folhas. Procuro depois que seja mais fácil este caminho onde se encontram os vestígios dos meus passos, de qualquer encontro, de um gesto ainda furtivo. Quantas sombras existem aí e me pertencem? Sei que o repouso é menos que uma palavra. Talvez cheguem as mesmas ondas que julgávamos estar há muito esquecidas, a neblina parece ser um arco onde se reúne o que ficou abandonado para sempre. É assim que começo a medir o tempo. Alguns instantes reservo-os para a profundidade da água; outros para o modo como as minhas mãos estremecem.
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! Era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos seio peixes verdes! E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos. Era no tempo em que o teu corpo era um aquário. Era no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor..., já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar. Dentro de ti Não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas.
"Tenho pedras no bolso. Muitas pedras no bolso. Troco duas pedras por uma máquina de pensar. Quando penso dói-me a cabeça. Daí as pedras Tenho 5 pedras no bolso porque penso mal 5 vezes. Tenho 5 pedras nos bolsos"