Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva Não faz ruído senão com sossego. Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva Do que não sabe, o sentimento é cego. Chove. Meu ser (quem sou) renego... Tão calma é a chuva que se solta no ar (Nem parece de nuvens) que parece Que não é chuva, mas um sussurrar Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece. Chove. Nada apetece... Não paira vento, não há céu que eu sinta. Chove longínqua e indistintamente, Como uma coisa certa que nos minta, Como um grande desejo que nos mente. Chove. Nada em mim sente... Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
publicado às 10:07
O que sonhei e antes de vivido Era perfeito e lúcido e divino, Tudo quanto sonhei se foi perdido Nas ondas caprichosas do destino. Que os fados em mim mesmo depuseram Razões de ser e de não ser, contrárias, Nas emoções que, dentro em mim, cresceram Tumultuosas, carinhosas, várias. Naqueles seres que fui dentro de um ser, Que viveram de mais para eu viver A minha vida luminosa e calma, Se desdobraram gestos de menino E rudes arremedos de assassino. Foram almas de mais numa só alma. Francisco Bugalho, in "Dispersos e Inéditos"
publicado às 23:13
Ficámos na paragem do tempo o tempo suficiente para ele passar por nós.
Nesse momento infinito, em que o olhar dançava entre as urzes e o mar, a brisa quente de junho namorou o poema.
Onde ficava o mundo?
Só pinhais, matos, charnecas e milho
para a fome dos olhos.
Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.
E o mar? E a cidade? E os rios?
Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,
onde chiam carros de bois e há poças de chuva.
Onde ficava o mundo?
Nem a alma sabia julgar.
Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.
Em cada dia o povo abraçava um outro povo.
E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:
a estrada branca e menina é uma serpente ondulada
e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio.”
Fernando Namora, in ‘Terra’
hoje eu sinto a parada no tempo!.
publicado às 10:14
Vejam a sociedade amontoada em esquinas sujas e perigosas São crianças sem espaço São jovens sem idéias E os adultos? Estão sempre sem tempo Escória! Desilusão! Medo! Crianças reprimidas, jovens alienados Gente sem nada para pensar É o mal... São flores da falta de futuro E frutos nascem como pobreza Como tristeza É na Terra e no Universo Planeta solitário Assim como os habitantes Cada um em seu viver... É um mundo realmente triste... Apatia... chega de miséria Por favor, dê- me a mão E converse um pouco comigo... um pouco!
Luiz Guilherme
publicado às 11:23
Viver bem é não complicar muito a vida
Viver bem é enxergar o lado bom de uma dor
Viver bem é acreditar que pra tudo tem saída
Viver bem é apreciar um simples, mas puro amor.
Viver bem é não se preocupar em ter riqueza material
Viver bem é acreditar sempre na felicidade
Viver bem é manter pra sempre o espírito jovial
Viver bem é praticar uma bondade
Viver bem é ter amigos pra fazerem laço
Viver bem é aceitar qualquer batalha
Viver bem é conseguir lidar com o fracasso
Viver bem é saber que a justiça tarda mais não falha
Viver bem é manter as chamas dos sonhos acesos
Viver bem é não sofrer pelo que não se pode mudar
Viver bem é nunca manter no seu coração, impureza
Viver bem é jamais desistir de lutar.
Viva bem.
Autor :
Tiago Meneses
publicado às 22:40
Impetuoso, o teu corpo é como um rio
onde o meu se perde. Se escuto, só oiço o teu rumor. De mim, nem o sinal mais breve. Imagem dos gestos que tracei, irrompe puro e completo. Por isso, rio foi o nome que lhe dei. E nele o céu fica mais perto.
Eugénio de Andrade
publicado às 21:23
Descem as águas calmas da nascente Fluem rodopiantes nas pedras moldadas pelo tempo Ecos suaves crescem e expandem o sol Na Mais bela cor que é a tua Tem asas o teu espírito na imensidão Onde borbulham orvalhos Películas coloridas matinais Nos sonhos despertos em ti Cantas melodias, expandem-se universos Falas do amor, da Humanidade As palavras soltam na ponta dos teus dedos O gosto a mel num olhar verdejado O coração nobre, num olhar espelhado Correm flores, saltam pássaros Esvoaçam borboletas Num sorriso único desenhado
Dan Gibson
publicado às 14:59
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Ricardo Reis
publicado às 16:44
Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?
Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.
As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, 'star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.
Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.
Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?
Fernando Pessoa
publicado às 16:47
Tenho pena e não respondo.
Mas não tenho culpa enfim
De que em mim não correspondo
Ao outro que amaste em mim.
Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros --- cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.
Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?
Fernando Pessoa
publicado às 16:48